Este texto pretende explicar o que temos feito até aqui e por quais razões.
A construção de equipamentos culturais distribuídos pela cidade (com especial atenção às regiões que concentram os trabalhadores) constitui, para nós comunistas, parte fundamental de uma estratégia de democratização, desenvolvimento local, reconhecimento de identidades culturais diversas, combate às desigualdades históricas e fortalecimento do tecido comunitário pela garantia da Cultura como Direito.
Historicamente, os equipamentos culturais são concentrados nas áreas centrais e de fácil acesso para classes médias e altas, geralmente próximas às melhores infraestruturas urbanas e de transporte. O próprio equipamento cultural pode se tornar, assim, uma marca territorial de distinção entre as classes e adquirir significado elitista, reforçando símbolos excludentes. É assim que um povo pode aprender que aquele prédio luxuoso “não é seu lugar” ou que “não está vestido adequadamente” para transitar naquele espaço. É necessário franquear o acesso do povo aos tesouros que lhe pertencem e desafiar as barreiras simbólicas e materiais que segregam e excluem.
Esse padrão de concentração dos prédios públicos de cultura nas mesmas áreas é observado nas principais cidades brasileiras sem que isso seja coincidência: o modelo de sociedade de classes orienta de forma permanente os investimentos culturais para os territórios das elites econômicas e políticas, de modo a consolidar e reforçar as hegemonias culturais e sociais vigentes. Assim, a apropriação e distribuição desigual dos bens culturais não ocorrem de forma neutra, mas como expressão direta das contradições sociais, perpetuando a exclusão simbólica e material.
Introdução
Por questão de justiça, inicio este texto destacando o firme compromisso do Prefeito Rodrigo Neves com a Cultura. Sua liderança incansável tem sido fundamental para viabilizar o maior investimento do país na recuperação do patrimônio histórico municipal. Rodrigo fortaleceu a Secretaria Municipal das Culturas (SMC), realizando, entre muitos outros feitos em sua época histórica, a entrega do Centro Cultural Cauby Peixoto (CCCP) – primeiro Centro Cultural Público Municipal da história da Zona Norte ao povo de Niterói. Também registro a importância de tudo quanto foi realizado sob a gestão do Prefeito anterior, Axel Grael, entusiasta do projeto. Por fim e extensivamente às suas equipes esse texto não pode começar sem reconhecer o trabalho dos ex-Secretários Victor De Wolf (2019/2020 – secretário que definiu a localização do imóvel e esteve ao lado do Prefeito Rodrigo quando o mesmo publicou o decreto de desapropriação do imóvel), Alexandre Santini (2022 – secretário que emitiu a posse definitiva do imóvel e realizou consultas públicas à comunidade e ao setor cultural) e Júlia Pacheco (2022/2024 – secretária que viabilizou o projeto de uso do espaço, a estruturação dos contratos, o modelo de gestão e que iniciou e concluiu das obras) como articuladores fundamentais dessa vitória da cidade. Entre esses gestores, em duas ocasiões distintas (2020/2021 e 2025) e sob os dois diferentes Prefeitos mencionados, fui também Secretário das Culturas ao longo do período que culmina com a inauguração do Cauby Peixoto. A ideia original e a perseverança em manter viva essa demanda histórica foram a minha principal contribuição. Reconheço que essa conquista coletiva reflete o esforço de muitos, liderados pelo Prefeito, e me orgulho de ter emprestado minha voz e trabalho político parlamentar persistente para que o sonho do Centro Cultural Cauby Peixoto finalmente se concretizar.
A Cultura é um dos temas mais decisivos e urgentes, indispensável para que haja a constituição de um projeto nacional de desenvolvimento. Em 2012, quando não era vereador, fui eleito pela base para integrar o Conselho Municipal de Política Cultural, onde iniciei meu compromisso militante com o setor. Até aqui servi a Niterói como vereador participando de seis legislaturas consecutivas, nas quais presidi a Comissão de Cultura, Comunicação e Patrimônio Histórico da Câmara Municipal em quatro oportunidades titulares. Neste momento que escrevo sou, provavelmente, o vereador com a maior produção legislativa aprovada da história da cidade, sendo autor de quase 100 leis, muitas delas de Cultura. Algumas dessas Leis são referência de bom exemplo nacional nas políticas culturais, como no caso da Lei Municipal do Cultura Viva, que garante a Niterói ser o único caso no Brasil de financiamento ininterrupto aos pontos de cultura. Contribuí também, subsidiariamente, mas de maneira decisiva como relator ou parecerista na maioria das normas culturais em vigor no município, inclusive aquelas propostas pelo Poder Executivo ao longo desses anos. Ocupei a Secretaria das Culturas em duas ocasiões (2021 e 2025), sendo gestor público durante a pandemia, e fui eleito vice-presidente do Fórum de Cultura das Capitais e Municípios Associados à Frente Nacional de Prefeitos e do Fórum Estadual de Secretários e Dirigentes Municipais de Cultura do Rio de Janeiro. As reflexões aqui apresentadas são opiniões sem qualquer pretensão em delimitar verdades indiscutíveis: carregam as marcas dos limites e aprendizados dessa trajetória individual, reconhecendo que o compromisso com a cultura é um desafio constante e uma missão compartilhada e coletiva. Portanto este é um pequeno registro do nosso tempo histórico e um texto político, de opinião.
Os Comunistas e sua contribuição ao debate cultural brasileiro
Tenho orgulho de pertencer aos quadros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Fundado em 1922 na cidade de Niterói, no mesmo ano da Semana de Arte Moderna, o PCdoB, é uma corrente de pensamento e ação política contemporânea das grandes transformações no Brasil nos últimos 103 anos. Historicamente, os comunistas brasileiros sempre tiveram uma atuação importante e destacada na vida cultural e artística do país. Ao longo de sua trajetória centenária, o Partido Comunista do Brasil foi sempre uma referência no debate cultural e intelectual da sociedade brasileira. Nomes como Jorge Amado, Patrícia Galvão (Pagu), Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, Jorge Mautner, Cida Pedrosa, entre outros do passado e do presente, confirmam a tradição de uma corrente cultural e de opinião organizada e construída com a participação de grandes artistas e intelectuais da cultura brasileira entre seus militantes e dirigentes.
Nas duas últimas décadas os comunistas continuam dando grandes contribuições ao desenvolvimento das políticas culturais no Brasil, em uma construção de grande imaginação política e papel destacado. A partir do primeiro governo Lula e da gestão do ex-ministro Gilberto Gil, o Brasil estabeleceu uma nova matriz conceitual para as políticas culturais, promoveu reformas estruturantes, ampliou a base social articulada em torno das políticas culturais, com o Sistema Nacional de Cultura, a Política Nacional de Cultura Viva e os pontos de cultura espalhados por todo o país (com destacada contribuição do PcdoB); a realização das Conferências Nacionais de Cultura, a criação do Fundo Setorial do Audiovisual e tantas outras iniciativas. No contexto da pandemia de COVID-19, num momento de forte ataque institucional às políticas culturais durante o governo Bolsonaro, o setor cultural brasileiro e o Congresso Nacional, com atuação protagonista da bancada do PCdoB, conquistaram a aprovação da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc e, posteriormente, da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB). De autoria da Deputada federal Jandira Feghali (PCdoB), essa lei tem caráter estruturante, representa o maior volume de investimentos públicos diretos em políticas culturais, e reconfigura o modelo de fomento à cultura, instituindo um federalismo cultural até então inédito no país. Nesse contexto político geral participei, de uma forma ou de outra, de todos esses processos políticos de meu tempo, sempre defendendo a descentralização, democratização e diversificação dos investimentos culturais, ao lado de meus camaradas e cooperando com ativistas culturais de outras organizações ou independentes.
A atividade geral da Prefeitura e o caso da Secretaria das Culturas de Niterói
Niterói, antiga capital fluminense, possui um vasto patrimônio histórico e um conjunto significativo de edifícios públicos de relevância cultural. Sob a gestão do atual prefeito Rodrigo Neves, vem sendo realizado, como mencionado anteriormente, o maior investimento nacional em recuperação patrimonial. Exemplos emblemáticos das gestões Rodrigo e Axel incluem o restauro do Solar Notre Rêve (antiga Casa Norival de Freitas), a reabertura da Ilha da Boa Viagem, a revitalização do Mercado Municipal, bem como as obras em andamento para a requalificação do Cinema Icaraí e da Estação Cantareira. Há outros exemplos. De fato, o investimento cultural em nossa cidade sempre foi reconhecidamente uma prioridade de múltiplos governos durante todo ciclo progressista desde Jorge Roberto Silveira, passando pelas gestões de diversos Partidos Políticos das esquerdas e seus Prefeitos.
Cabe historicizar que a própria construção da liderança política de Rodrigo Neves em Niterói tem raízes em sua trajetória como militante do campo democrático e popular desde a adolescência no movimento estudantil, onde nos conhecemos e nos tornamos companheiros de luta. Além desse compromisso pessoal do Prefeito, seu governo ecoa uma longa tradição do trabalhismo em nossa cidade, que vem desde o antigo Estado do Rio, quando foi governado pelos irmãos Roberto e Badger da Silveira, fortes lideranças regionais do antigo PTB de Getúlio Vargas e João Goulart. Ambos tiveram suas trajetórias políticas precocemente interrompidas: Roberto por um acidente trágico em 1961, Badger pelas nefastas consequências do golpe militar de 1964.
Essa tradição trabalhista ressurge em 1988, com a eleição de Jorge Roberto Silveira como Prefeito de Niterói, o primeiro após a redemocratização. Desta vez pelo PDT de Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, João Sampaio, Abdias Nascimento, Mario Juruna, Satie Mizubuti, Lélia Gonzalez. Ao ingressar no PDT, Rodrigo reatou as pontas dessa história e se vinculou a esta tradição política longeva, que tem feito com que Niterói seja uma referência no Brasil e no mundo como uma cidade progressista, social e culturalmente avançada.
Ao longo de mais de três décadas, governos progressistas da cidade estabeleceram o investimento cultural como um dos eixos prioritários de suas gestões. Este fato singular, especial da história política de Niterói, a torna uma das cidades que mais aplicam recursos e desenvolvem políticas públicas culturais estruturadas, continuadas e mensuráveis. Niterói é um caso diferente entre as cidades brasileiras não por ter recursos disponíveis dada sua boa situação fiscal, mas sim por decidir aplicá-los em Cultura. A regularidade dos mecanismos que compõem o Sistema Municipal de Cultura, a estabilidade do Programa Cultura Viva custeado com recursos municipais por todos os anos desde sua criação em 2018, o fomento por meio de Editais Públicos sistemáticos com recursos municipais e grandes programas públicos permanentes como o Aprendiz Musical (gerido pela Secretaria de Economia Criativa), o Arte na Rua (gerido pela Fundação de Artes), o Brotaí (gerido pela Secretaria das Culturas), entre outros, estabelecem exemplos que, comparativamente a outras cidades e realidades do país projetam Niterói na vanguarda das políticas culturais. Há diferentes órgãos municipais realizando programas e atividades transversais as mais diversas e embora a sobreposição de funções seja nossa crítica pertinente, também é verdade que este ecossistema governamental múltiplo acaba contribuindo para que a ação pública seja mais dinâmica.
Quanto à Secretaria das Culturas, suas atividades progressivamente se estendem para além do fomento público. O retorno da Agenda Cultural (uma histórica e bem sucedida política cultural de difusão), o curso permanente Teatro Épico (um exemplo prodigioso e permanente de formação), a regularidade do programa Teatro Novo para pessoas com deficiência (onde a formação passa a estar permeada pela acessibilidade), o incremento de cerca de 25% no número de feiras dirigidas pela Casa do Artesão (ocupação de espaços públicos e reforço à economia popular), a rearticulação recente do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico promovida pelo DEPAC, entre outros, são alguns exemplos dessa diversificação e complexificação das atribuições da Secretaria. A Secretaria das Culturas desenvolveu programas de formação permanente e responsabilidades em grande escala relativamente à Niterói, como no caso dos 1.600 alunos do Brotaí, espalhados por dezenas de comunidades, ocupando praças e realizando cursos temáticos introdutórios abertos ao povo em qualquer faixa etária nas mais diversas linguagens – da capoeira à maquiagem e do macramê à formação de animadores culturais ou oficinas de zumba, constituindo provavelmente o mais flexível e tematicamente diverso programa de formação da Prefeitura.
Este período tem sido caracterizado pelo fortalecimento orçamentário e institucional da Secretaria das Culturas promovido pelos governos recentes, mas também tem havido uma ampliação das próprias competências e responsabilidades do órgão. É importante lembrar do papel apenas complementar e praticamente simbólico das atribuições da Secretaria das Culturas na arquitetura das políticas culturais em Niterói historicamente, até muito recentemente. O papel de coordenação das políticas culturais atribuídas à Secretaria pela legislação do Sistema de Cultura não precisa sofrer a interpretação diminutiva vigente em Niterói por anos de que a Secretaria é para “simbolizar” enquanto as fundações indiretas e empresas de economia mista são para “executar”. Isto, muito visivelmente, tem sido revertido ao longo das gestões culturais e dos Prefeitos mencionados no texto.
Recentemente, a partir do Decreto Municipal 354/2025 a Secretaria das Culturas passou a gerir, diretamente, parte da rede de equipamentos culturais: o Teatro Popular Oscar Niemeyer (Centro), o Centro EcoCultural Sueli Pontes (Região Oceânica), o MACquinho (Zona Sul) e o Centro Cultural Cauby Peixoto (Zona Norte). Este decreto também marca uma nova expansão das atribuições diretas da Secretaria Municipal e uma grande oportunidade para implementação de mais políticas culturais cada vez mais descentralizadas. A Secretaria das Culturas tem tido papel relevante no planejamento cultural de Niterói e protagonizado importante parte dos investimentos em políticas públicas continuadas e estruturadas na cidade.
A realização dos editais culturais do município segue ajudando a conferir a Niterói o status de vanguarda no país. Muitas cidades do Brasil estão deixando de fazer editais públicos com recursos municipais. Depois da grande conquista da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), que garante o repasse federal para editais, os municípios e estados brasileiros recuaram, na prática diminuindo seu investimento em fomento cultural. É justo dizer que em Niterói, pela expressividade do papel da Prefeitura, a PNAB é muito importante – mas complementar. Mesmo sendo o maior repasse de recursos da história aqui ela corresponde a cerca de 30% do investimento local anual. A Prefeitura, através da Secretária das Culturas Júlia Pacheco, em um exemplo recentíssimo, acaba de anunciar o teto para Lei de Incentivo à Cultura Municipal deste ano, que subiu de R$3 milhões para R$ 4 milhões disponíveis. Novamente, este ano (2025), o maior investimento público em editais culturais terá sido feito pelo município, comparativamente a editais com recursos federais, estaduais ou privados. Este mérito objetivo de Niterói, em manter os investimentos próprios em cultura e agregar os recursos da Aldir Blanc, não encontra equivalência nas demais cidades brasileiras.
Esta atuação cada vez mais estruturada da Secretaria das Culturas tem correspondido a uma segunda fase de seu desenvolvimento. O padrão de investimentos específico da SMC já teve na oferta de editais o centro de sua ação – e pela aplicação de cotas de 50% (para projetos liderados por pessoas negras, trans, pessoas com deficiência, mulheres e pontuação especial por regiões) teve grande importância na diversificação, democratização e descentralização do fomento público em face da situação anterior. Em seguida as ações principais começam a se mover na direção da descentralização, com a criação do Brotaí ainda em 2021 (programa de introdução às artes comunitário e capilarizado por toda cidade), a inauguração do Centro Eco-Cultural Suely Pontes (primeiro equipamento cultural público municipal da história da região oceânica) e o próprio Centro Cultural Cauby Peixoto (primeiro equipamento cultural público municipal da história da Zona Norte), sendo casos exemplares. A Secretaria das Culturas tem sido um dos órgãos da Prefeitura com redobrada sensibilidade quanto à prioridade da descentralização.
A descentralização dos investimentos culturais, o aumento das diversidades e a democratização do acesso à Cultura como Direito
Um desafio permanente das políticas culturais em Niterói sempre foi (e segue sendo) a democratização territorial e política dos investimentos. Dar um salto político, da dimensão de democratização da cultura, no sentido da ampliação do acesso, para construir instrumentos de democracia cultural, que significa garantir direitos e convocar a cidadania a participar ativamente da vida cultural da cidade. A Secretaria das Culturas de Niterói tem, desde 2021, a diretiva “Cultura é um Direito”, traduzindo a universalização como o principal problema a ser enfrentado para o aperfeiçoamento das políticas públicas.
Uma digressão importante é que se trata do mesmo ano em que o Governo Bolsonaro extingue o Ministério da Cultura, enquanto em Niterói paralelamente é o que se pratica à época, em contraponto. Dentro do esforço geral da Prefeitura que conta com enorme papel da Fundação de Arte (FAN), da Secretaria de Economia Criativa e Ações Estratégicas (SECAE), da Niterói Empresa de Lazer e Eventos (Neltur), da Coordenadoria Geral de Eventos (CGE) e da administração executiva do Caminho Niemeyer em múltiplos investimentos decisivos e ações próprias a contribuição da Secretaria das Culturas tem buscado priorizar a questão da universalização do direito. Como mais uma prova desse esforço pela descentralização territorial, no ano passado a Secretária Júlia Pacheco inaugurou, ao lado do ex-Prefeito Axel Grael, o primeiro Centro Cultural Público Municipal da História da Região Oceânica, o Centro EcoCultural Sueli Pontes, em Piratininga, mencionado anteriormente neste texto.
A inauguração deste novo equipamento cultural, o Cauby Peixoto, representa um marco de enorme significado para esse esforço coletivo pela descentralização. Após quase 20 anos de luta, ao lado dos mais valorosos ativistas e movimentos sociais, vejo com satisfação que a persistência e até a teimosia que sempre manifestei rejeitando a alternativa imediatista de uma lona cultural na Zona Norte fizeram sentido. Embora as lonas culturais, quando sob administração cultural profissionalizada sem precarização e com orçamento próprio, tenham tido papel fundamental em diversos contextos, acabaram também por se tornar soluções provisórias de estado permanente em seus territórios. Era imprescindível que o investimento público, a qualidade da obra e o impacto transformador e simbólico do Centro Cultural da Zona Norte estivessem à altura dos equipamentos culturais da Zona Sul. Os prefeitos Rodrigo Neves e Axel Grael realizaram esse grande sonho histórico, atendendo a uma reivindicação antiga e persistente de todo o setor.
Os processos de escuta pública e participação popular foram fundamentais para referenciar o trabalho de governo. Foram realizadas no território em múltiplas oportunidades durante a gestão do Secretário Alexandre Santini e as principais sugestões foram efetivamente incorporadas ao projeto (como a defesa da existência de um Teatro na região), aperfeiçoando a entrega. O Centro Cultural também está referenciado na carta de Direitos Culturais de Niterói. A Carta de Direitos Culturais de Niterói foi lançada no dia 5 de novembro de 2024, em evento realizado no Dia Nacional da Cultura. O documento foi elaborado de forma participativa ao longo de um ano, contando com a colaboração de mais de 800 pessoas da sociedade civil e instituições. Niterói foi a primeira cidade brasileira a produzir uma Carta de Direitos Culturais, inspirada em experiências internacionais e que estabelece um pacto social entre o governo e a população para garantia dos direitos culturais. É um documento adicional, participativo e complementar endereçado ao Sistema de Cultura e à cidadania, onde a cidade declara posições e compromissos quanto aos Direitos Culturais, para além das metas quantificadas pelo Plano Municipal de Cultura. Além disso cabe destacar a participação de todos os ex-presidentes do Conselho Municipal de Políticas Culturais e suas gestões, representando a reivindicação organizada e fiscalizatória de toda sociedade civil desde de Sady Bianchin (2010-2012); Leonardo Simões (2013-2015); Renato Almada (2016-2018); Vitor Vogel (2018-2019); Marcelo Mattos (2020); Natália Valdanini (2020-2022); Amanda Almeida (2023-2025); Pedro Colares (2025-atualmente).
Neste sentido, no Centro Cultural Cauby Peixoto, há uma fusão e simbiose entre a reivindicação descentralizadora dos investimentos culturais reiterada pelos comunistas e a tradição histórica do trabalhismo, de oferecer ao povo equipamentos públicos monumentais e de qualidade e com padrões compatíveis aos que as elites constroem para si. Assim foi, por exemplo, com o Sambódromo no Rio e com os CIEPS, o Programa Especial de Educação de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro. Esta simbiose entre trabalhistas e comunistas de Niterói também se apresentou no Caminho Niemeyer, idealizado por Jorge Roberto Silveira para ser realizado pelo arquiteto comunista.
O Centro Cultural Cauby Peixoto é uma obra de R$ 21 milhões, com elementos de restauro em um casarão sem que houvesse essa obrigação legal (não há tombamento). A decisão pelo restauro e o acompanhamento do Departamento de Preservação do Patrimônio Cultural da Secretaria das Culturas (DePAC) foram por respeito à memória do casarão e do território, exclusivamente. O Centro Cultural possui 04 (quatro) salas multiuso, destinadas à modelagem, uso livre por grupos culturais. Possui um Teatro para 240 lugares, oferecendo à cidade um novo palco de porte intermediário, necessário, em relação aos maiores salões. Este teatro será inaugurado com uma sessão especial, dedicada aos trabalhadores da obra. A recuperação do chafariz, dos vitrais, dos pisos nos padrões originais demonstra o nível de cuidado e atenção à memória por parte do Prefeito e de todos os envolvidos. O Centro Cultural também oferece coworking para os coletivos culturais, tem 07 (sete) salas expositivas, galeria própria para artes visuais, sala de formação, sala de memória, um simpático café e um foyer superior que também pode receber programação.
O complexo cultural tem uma vocação flexível, multiuso, estimula atividades simultâneas e não se inclina para nenhuma linguagem artística específica de forma especializada porque é o primeiro de sua região. Isso permitirá ser mais permeável aos múltiplos grupos culturais, de forma a ser utilizado o mais amplamente e de forma mais flexível. O que protegerá esse patrimônio será seu uso pelo povo. Por isso a escolha por uma casa na Alameda São Boaventura, que tem fácil acesso ao transporte e uma história rica na formação da cidade de Niterói, é a ideal. A homenagem ao Cauby Peixoto ainda faltava em Niterói. Tenho uma anedota que acaba me servindo aqui de registro, que confesso fazer com orgulho. No início de tudo tive a sorte de poder ter sido o primeiro a ter a ideia de fazer a homenagem ao Cauby Peixoto pela justa razão de ser um artista tão amado pelo povo brasileiro e de ter morado exatamente no Fonseca. Enviei uma mensagem empolgada ao Prefeito Axel Grael às 6 horas da manhã, quando era seu Secretário, e depois fiquei apreensivo sobre a impertinência da hora, a ausência de urgência e o ridículo da mensagem tão cedo. Mas como o Prefeito também madrugava, rapidamente recebi triplo alívio e a feliz notícia de sua concordância e generosa empolgação matinal.
Vivi, ao lado do Prefeito Rodrigo Neves e dos meus camaradas de Partido intensamente esse processo todo, entrando na casa em ruínas ao lado do Victor De Wolf para decidir pelo imóvel, promovendo a ocupação cultural ao lado do Santini enquanto o processo judicial de desapropriação corria até a posse definitiva pelo município, e ao lado da Júlia Pacheco, que liderou toda a estruturação do projeto de gestão cultural e cada minúcia. Devo fazer o registro do empenho, compromisso e competência da liderança de todos eles, em especial da Júlia nesses meses decisivos finais até a inauguração. Estivemos juntos nas múltiplas visitas com o Prefeito, que acompanhou, liderou e nos amparou em todas as necessidades ou dúvidas. Cada escolha teve sua participação e orientação pessoal e esse Centro Cultural eterniza seu compromisso histórico e pessoal com a Zona Norte de Niterói. O Centro Cultural Cauby Peixoto – primeiro equipamento público municipal da Zona Norte de Niterói é um marco da luta do povo da nossa cidade e representa para todos nós uma grande vitória, uma renovação de enorme esperança no futuro e na capacidade coletiva de transformar a realidade. Não é o fim do esforço permanente pela descentralização cultural, mas um grande símbolo e um enorme reforço para essa luta e para os que sonham. Viva o povo de Niterói!
A Cultura é um Direito!
* Leonardo Giordano, novembro de 2025. Leonardo Giordano é secretário das Culturas de Niterói (RJ) e vereador licenciado pelo PCdoB. Já presidiu a Comissão de Cultura e Patrimônio Histórico da Câmara Municipal.Artigo publicado originalmente no Portal Grabois.